quinta-feira, 23 de julho de 2009

Moby Dick, Jonas e o Reino de Deus... (imagens e considerações em Mateus 13)

Lendo Paulo apóstolo do Senhor Jesus escrevendo aos Romanos, podemos discernir um resumo das características do Reino de Deus: “(...) O Reino de Deus não é questão de comida ou de bebida, mas de ser justo, vivendo em paz e com a alegria que o Espírito Santo dá...”. (Romanos 14.17 - Bíblia na versão Católica)

Isso parece resolver a teologia de muita gente. E resolve, mas será apenas isso que devemos buscar na elucidação hermenêutica de um dos momentos mais precisos e preciosos no discurso frenético do Senhor Jesus?

Mateus relata aos seus irmãos o discurso do Mestre, uma vez que, certamente, serão expulsos das sinagogas por aceitarem a messianidade de Jesus. Reféns, perseguidos e maravilhosos, os judeu-cristãos agora terão os relatos do épico salvífico, do que fora pregado na cruz!

Toda a glória, majestade e poder canalizado em um só homem, como foi em Israel num passado distante, que não se lembram, a não ser por histórias e tradições dos mais velhos.

- É isso! Eureka! O Cristo esteve entre nós e vimos a sua Glória, como a do Unigênito do Pai. E ainda falou do Reino e da nova aliança nos redimindo pelo preço do Seu sangue que nos reconduz a Deus, nosso Pai, Pai das luzes, garantidor de toda a vida!

- Foi um sonho!

- Jesus nos tocou, e, em Mateus, agora lemos que a Igreja, a comunidade cristã, continuadora legítima do Israel histórico, é o Israel autêntico que entra numa etapa final quando o Reinado de Deus é anunciado; participa de tudo isto pela Sua morte e ressurreição...

- Não teremos mais saudades do passado, nem ainda o renegaremos, mas antes sabendo a origem incrível que nos aglutinou e também organizou, seguiremos nossas vidas anunciando a volta do Senhor para aqueles que participarem da Sua carne e sangue.

Poderia imaginar um neocristão, neste sentimento, nos dias da leitura do Livro de Mateus reconhecendo a sua esperança nos escritos do apóstolo, mas hoje eu releio o mesmo livro e considero coisas novas e velhas...

No capítulo 13, a passagem do ensino de Jesus sobre o Reino de Deus, eu preciso enxergar como um recém-chegado ao mundo vindouro, tão apaixonado e pretensioso quanto realmente posso ser, e olho para o Mestre; e num querer vê-lo foi preciso fechar os olhos e lembrar os detalhes da sua pregação.

Num momento em que o vejo à beira do lago, logo surpreende a todos subindo no seu púlpito, e por pouco me aterroriza com o seu olhar quando percebendo que estou ali, recria o “déjà vu”...

Momentos antes da sua pregação ele recebera a visita de uns religiosos que lhe solicitaram um sinal. O sinal de Jonas bastaria para a maldade dos corações e mentes do clero. Mas para mim, ali, Jesus fez muito mais do que falar de um grande peixe que engolira o profeta, Ele lembrou de Moby Dick!

Na saga do grande peixe, há um momento em que os heróis, homens do mar, partirão em busca do seu destino. Batizados na ira do Capitão Ahab, algumas horas antes de embarcarem, entram em uma Igreja com um púlpito modelado a imagem de uma proa de barco!

Sobe ao púlpito o pastor para a prática do sermão e profetiza a vinda de um Reino eterno, sem precedentes. Entorpecidos, os ouvintes são como ovelhas que se apaixonam pelo louco capitão e tem os seus corações amaldiçoados e trancados pelo medo.

Não foi possível deixar de imaginar o Mestre nesta cena... Sua criatividade, seu modelo e suas ações são todas formadas em sua mente brilhante, como acontece em suas parábolas.

A elaboração dos contos de Jesus traz elucubrações diferentes das histórias e arquétipos de uma época distante. Seus frutos contagiam e revelam mais do nosso presente que a literatura de imprensa atual. Não posso entender que Ele não estava falando para mim, sem a perspectiva egocêntrica que alguém possa perceber, mas com a clareza que o Espírito Santo garante que sou filho legítimo de um Pai magnífico.

Parábolas, provérbios, refrães são traduções diversas do hebraico meshalim, conceito que pouco as diferencia. Basicamente são comparações que revelam ou ilustram aspectos da vida. Podem ter a forma descritiva ou narrativa, simples ou desenvolvidas. São antes de tudo os livros Sapienciais que as usam (Provérbios e o apócrifo Eclesiástico), também o Saltério (Salmos 49.5; 78.2) e os profetas (Isaias 28.23-29; Ezequiel 15; etc).

A comparação pode também encobrir, despertando a curiosidade, desafiando o engenho, incitando a descobrir.

As duas funções, encobrir e descobrir, atribuem-se às parábolas de Jesus. Mateus reúne nesse capítulo, sete contos que trazem a perspectiva do Reino de Deus:

  1. O semeador;
  2. O joio;
  3. A semente de mostarda;
  4. O fermento;
  5. O tesouro;
  6. A pérola;
  7. A rede de pescar.

A parábola do semeador fala de uma semente maravilhosamente fértil, oferecida a todos, a qual germina e dá fruto abundante a quem a acolhe bem; é o sonho de todo o agricultor!

A parábola do joio explica que há influências boas e más em qualquer comunidade. Não adianta querer separar os bons dos maus antes da hora. No tempo certo, Deus cuidará disso.

A semente de mostarda, pequenina, transforma-se num grande arbusto. O Reino começa pequenino, mas cresce para oferecer abrigo a muitos!

O fermento também é pequeno em relação à massa e fica invisível quando misturado com ela, mas transforma tudo!

O tesouro escondido fala de quem encontra o que busca e, muito contente, investe tudo e toda a sua vida naquilo!

A pérola também fala que tudo se deve arriscar quando se procura o que realmente tem valor!

Por fim, a rede de pescar, como a semente da primeira das sete parábolas do Mestre, abrange gente de todo tipo, mas há uma escolha feita por Deus, que leva em conta a situação de cada pessoa (uma retomada de conceitos que estão permeando a pedagogia de Jesus).

Portanto o Reino de Deus:

  1. É oferecido a todos;
  2. Tem inicio pequeno, quase imperceptível, mas cresce para se tornar uma realidade abrangente;
  3. Começa neste mundo, onde o bem e o mal estão misturados, inclusive na Igreja. A sua plena realização se dará somente no mundo vindouro (o que a teologia convencionou a chamar de já..., mas ainda não!);
  4. Não age com meios espetaculares, mas cresce através de uma presença solidária que se sacrifica a ponto de desaparecer no meio da massa;
  5. Pede decisão e coragem de se lançar por inteiro;
  6. Pede vigilância e lucidez, sabendo escolher no meio do velho e do novo, para melhor corresponder ao projeto de Deus!

Talvez a percepção dos judeu-cristãos dos primeiros dias de vida, ainda tenha percebido algo, como o número de parábolas que, para eles, representa uma argumentação completa como a completitude que esse número simboliza numa cultura vetero-testamentária. Não a nós, quem sabe, mas o Mestre esgota o assunto para esse momento de culto. O público que agora está comigo sentado na areia, pensa na complexidade dos ensinos construtivistas do Senhor da vida.

Entre tantos os ouvintes do sermão didático, terapêutico e afiançado pelo próprio Dono do Reino, a dúvida parece vir dos discípulos que recebem a notícia de que aqueles circunstantes não entenderiam suas palavras e até se confundiriam com a legitimidade das idéias plantadas pelo que rastreia as mentes dos ouvintes.

O texto de Isaias 6. 9 e 10, prediz o fracasso do profeta por culpa dos ouvintes:

9 Vai, pois, dizer a esse povo, disse ele: Escutai, sem chegar a compreender, olhai, sem chegar a ver.

10 Obceca o coração desse povo, ensurdece-lhe os ouvidos, fecha-lhe os olhos, de modo que não veja nada com seus olhos, não ouça com seus ouvidos, não compreenda nada com seu espírito. E não se cure de novo. [Isaías (BC) 6]

Dada a dureza destes ouvintes, a pregação profética os irrita e endurece, e lhes agrava a culpa. O próprio Isaías fala de sua experiência em 30. 9-11:

9 Porque este é um povo rebelde, são filhos mentirosos, filhos que se recusam a ouvir as instruções do Senhor.

10 E dizem aos videntes: Não vejais, e aos profetas: Não nos anuncieis a verdade, dizei-nos coisas agradáveis, profetizai-nos fantasias.

11 Afastai-vos do caminho, retirai-vos da vereda, deixai de colocar-nos sob os olhos do Santo de Israel. [Isaías (BC) 30].

Mesmo prevendo o resultado negativo, o profeta não pode calar-se, pois é Deus que o envia, e a denúncia tem intenção salvadora. Mateus muda o “para que/de modo que” de Marcos em “porque” inferindo que a atitude condicionou a compreensão dos seus ouvintes.

Pensativos nas possibilidades do Reino ribomba a pergunta de Jesus: “- Vocês entenderam tudo isso?”

A resposta em côro congregacional tem cheiro clerical, institucional e litúrgico-presumível, mas a proposta nas parábolas do Mestre, continua cumprindo-se no seu ministério. Os seus concidadãos parecem duvidar da sabedoria com que discernia os eventos da vida, rejeitando-o com veemência sempre que podiam, julgando conhecer sua procedência e capacidade de discurso.

Para mim, vejo que o Senhor Jesus gosta de conversar e discursar sobre as águas... Os elementos da acústica estão a seu favor e a imagem de fundo conspira para um batismo de idéias e propósitos.

A morte de João Batista, agora, no 14 de Mateus, parece confirmar a necessidade de Jesus em fazer uso novamente de uma embarcação e seguir viagem rumo a sua solitude que não deve acontecer por muito tempo. A multidão dos mutilados e dos desvalidos que não possuem outra esperança, o encontra novamente, e Ele a ama como o pastor divino que Ele é!

Com esse olhar que constrói o mito e causa uma hermenêutica romanceada, ou festiva, é que sempre leio o livro de Mateus, observando o Mestre andando em algum lugar do passado. Enxergo que Ele amava o povo marginalizado e desgraçado das ruas, que amava crianças e que dava a elas todo o direito de posse do Reino de Deus. Também amava estar perto das águas, como o Seu Espírito empreendedor da Gênese, que amava Jonas e sua incrível baleia branca preparada para dar salvo conduto ao profeta sorumbático (grifo é meu para mencionar que algumas versões classificam assim o grande peixe, citado em Mateus), que amava comer pão e peixe com seus amigos e que ama falar nos meus sonhos o quanto Ele muito me ama!

O convívio com o meu filho é a causa, certamente, de uma interpretação comprometida, porém, com gente da idade dele, que nos escutam aos domingos, sentados no chão, umas histórias bonitas que Jesus contou pra mim... Que privilégio o meu!

Ora, vem Senhor Jesus! Vem contar de novo a bonita história de Moby Dick!

Eduardo Neri

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