terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

A hermenêutica dos filhos da mãe...

Texto de referência: Mateus 11.15-17.

15 Quem tem ouvidos, ouça.
16 Mas, a quem compararei esta geração? É semelhante aos meninos que, sentados nas praças, clamam aos seus companheiros:
17 Tocamo-vos flauta, e não dançastes; cantamos lamentações, e não pranteastes.

Não é preciso saber muito sobre uma geração perversa e má ou sobre seus protagonistas mais famosos para reconhecê-la.
O tempo, esse estéril instrumento a homens e mulheres, não é sensível às não conformidades humanas. Nota-se, entretanto, pela ciência, que o tempo não é uma entidade, ou ser, que provoque verbetes à ontologia dos filósofos, mas informação de quantidade ou de um período. A Física, então, limita-se a vê-lo assim, grandeza escalar, nunca negativa, notação pertinente: é uma medida!
Sela-se, portanto, a iniqüidade dos pais, para o sua medida de tempo, e necessariamente não se renova, para o nosso bem, nos filhos.
Mas para que o elemento da semiótica seja identificado, afim de uma significação maior, propõe-se o signo dos 10 anos.
Dez anos de casamento, de trabalho em uma mesma empresa, dez anos de espera por notícias do filho mais moço, dez para o encontro entre a bela e o monstro; dez pode ser número cabalístico, místico, lógico, reflexivo para um querubim, redentor dum país para o futebol, nota de competência para Charlie Brown, nota de eficiência para o ofertório dos cristãos.
Dez anos talvez fosse a pena máxima, dada pelo homem que calculava ao mais vil e tosco crime.
- Mas, quanto tempo seria necessário para tornar a madre de uma criança fecunda ...?
- Dez anos serão o suficiente?
- O que se faz com dez anos de idade?
As meninas, ajudadoras às mães, brincam de bonecas, de casinha, de beijo-abraço-aperto de mão, de cantarolar cantigas:
"a menina que passou debaixo do arco-íris,
vai virar menino, que passou debaixo e vai virar menina...
imagina! Imagina!" (Chico Buarque de Holanda)
Mas as noticias já são diferentes...., o brinquedo mudou! As canções deixaram de existir. A boneca já tem vida, não é de pano, nem se chama Emília.
Meninas de 9 a 10 anos já trazem nos seus ventres a maternidade e a formação de um novo semelhante!
"Imagina...!"
- Absurdo? Não, dizem as mães das pequenas mães: "na verdade é uma gracinha a minha queridinha grávida!"
- Quem se importa?
- A responsabilidade é de quem?
- A quem julgaremos nós, os detentores da limpa e lúcida verdade, classe de religiosos bacanas, donos da acessibilidade à congregação dos santos?
"A culpa é da sociedade, do desestímulo da família nuclear, da falta de projetos ou de incentivo ao planejamento familiar, a culpa é do Lula mesmo!
Esse mundo está perdido!
O mundo jaz no maligno!
O crente é a família de Deus!
Não seremos cauda, mas cabeça!"
Ou ainda: "a sua benção começa a partir do tilintar das suas moedas no gazofilácio!"
Há um som de prevaricação no ar:
Prevaricação palavra estranha ao meio eclesiástico quer dizer:
1 faltar ao cumprimento do dever por interesse ou má-fé
Ex.: prevaricaram aos deveres; o juiz prevaricou
intransitivo
2 cometer abuso de poder, provocando injustiças ou causando prejuízo ao Estado ou a outrem
Ex.: serão punidos os funcionários que prevaricaram
intransitivo
3 transgredir a moral e os bons costumes
intransitivo
4 cometer adultério
intransitivo
5 revelar segredo que lhe foi confiado; trair a confiança
transitivo direto
6 corromper, perverter
Ex.: maus exemplos prevaricam a juventude
Acreditamos que prevaricar, pelo Houaiss, seja verbo, seja verbete, ainda é pecado!
- A justiça que pregamos deve ser uma benção ou maldição para os nossos fregueses pós-modernos?
- O mundo da linguagem, sem o mundo da prática é um mundo vazio?
"Alguma coisa está fora da ordem..."(Caetano Veloso)
O discurso de Jesus está sendo percebido em contraponto ao evangelho que pregamos....
As almas estão se constituindo em folhas de estatísticas meritórias de igrejas, onde nos tornamos ong's de nenhum compromisso com o ser humano, mas com o seu transcendente.
- Qual é a percepção que se deve buscar de Mateus na passagem supracitada com a aplicação dos nossos dias?
Estamos para os que ouvem a Palavra e esperam a vinda do Messias que vai resolver todos os nossos problemas e justificamos com o que ele mesmo disse: "(...) sem Mim nada podeis fazer!"
Olhando o comentário bíblico, lemos:
"O mistério do reino está intimamente associado com o mistério messiânico. O capítulo 2 do livro de Daniel descreve a vinda do reino de Deus com linguagem vivida, do ponto de vista da destruição de toda e qualquer potência que resista a Deus e se oponha à vontade divina. O reino virá com poder, varrendo todo mal e todo governo hostil, transformando a terra e apresentando uma nova ordem universal de perfeita paz e justiça. Contudo, o Senhor Jesus não apresentou um reino de poder portentoso. Daí que tanto sua mensagem como sua pessoa deixassem completamente perplexos seus contemporâneos, inclusive seus discípulos."
(George E. Ladd - Doutor em Filosofia e Letras)
- Também nós não entenderemos a que se propõe a vinda do Filho de Deus?
- Até quando ficaremos perplexos com as notícias do definhar perene da nossa humanidade?
- Estamos aquietados e acomodados diante do trono como reis e sacerdotes, freqüentadores dos cultos dominicais e mentindo nos cerimoniais que se perpetuam à vontade do freguês?
Justificados pois pela fé em nossa própria salvação, que não se perde, e tão somente por isso não precisamos atender a esse Deus dos desgraçados; somos até predestinados, eleitos, santos, dignos de toda honra, glória e louvor!
Creiamos mais nas flâmulas e nos refinados dogmas da alienação que na Palavra do Senhor Jesus.
Tragam hoje ofertas e oblações pelo pecado e vistam-se bem aos domingos, ele é o dia do Senhor!
Entreguemos aos natais todas a nossa simpatia aos que levam uma vez ao ano a sopa para os desabrigados e tratemos nessa oportunidade de citar relatórios e publicá-los em grandes sites eclesiásticos de Internet.
O marketing nos fará sentir santos e irrepreensíveis e os livros de auto-ajuda nos causarão um balsamo para as feridas que o Senhor Jesus gloriosamente quis nos outorgar.
Afasta de nós esse cálice! Não nos deixe o gosto amargo de consolidar as boas novas aos homens, pois somos ganhadores de almas!
O evangelho que queremos e amamos não passa pela vida das pessoas solitárias e culpadas de morte. O crime deles é deles, não nos tragam o sangue dos inocentes, pois somos o Israel de Deus e o mundo deve perecer como o Egito de outrora e seus meninos...
Ensinemos, portanto, o amor aos nossos pequenos, em lições bíblicas dominicais mal preparadas, repetidas vezes; tenhamos mais números de versículos decorados que a nossa vaidade possa absorver, e aproveitemos das datas comemorativas da igreja para o deleite dos pais nos filhos.
O depósito de crianças da EBD agradecerá a qualquer voluntário publicamente, e não deixará que a sua ignorância e sua vida sem sentido sejam expostas, guardada que está nos porões do ministério infantil.
Sobre esse Ministério, ainda, sem orçamento e sem preparo, aguardamos a salvação dos nossos filhos e esperamos que deles venha a diferença para o futuro da nossa igreja!
"(...)Tocamo-vos flauta, e não dançastes; cantamos lamentações, e não pranteastes"
A tradição judaica diz que esta modinha citada por Jesus, era cantada nas praças por crianças em brincadeiras de roda, onde uma turma trazia a música e a alegria, enquanto as outras crianças traziam o choro e a carranca nos semblantes. Durante o encontro das duas facções distintas elas trocavam de papeis e novamente seguiam até o próximo reencontro.
A comparação da indiferença diante da modinha tocada e cantada pelas crianças, é feita ao público ouvinte de Jesus. As crianças não foram sequer percebidas na figura elaborada pelo Mestre.
Em outra oportunidade, Jesus é obrigado a interferir na conduta dos seus discípulos nas narrativas de Marcos e Lucas, que impediam um simples contato com o Senhor...
Fica evidente no contexto do relato de Mateus, único nessa citação, de que os sempre presentes partícipes do clero estavam observando a opção de Jesus pelos menos favorecidos.
Uma possibilidade hermenêutica aqui poderia ser a alegoria imanente dos país da Igreja, no sentido de olhar para as crianças como sendo a nova ordem mundial que Ele, Jesus, iniciaria diante de um público de religiosos judaizantes, indiferentes e amantes de si mesmos que não ouviriam a voz do Mestre.
Na direção do discurso, é clara à opção pelos pobres, mas que não se perca pelo marxismo simplório da luta de classes, a luta é ainda maior...
Trata-se dos excluídos, dos desgraçados, dos desvalidos, dos que não direito, e que nem nunca teriam se dependessem do movimento da paróquia local.
Jesus, autor e consumador da nossa fé, interfere nas notícias que são levadas a João, o Baptista, e não deixa dúvidas sobre a sua missão integra de remir os perdidos por completo!
Como na vinda de Jesus, o caráter messiânico era pré-concebido, na atualidade o povo crente, ou que se chama pelo Seu Nome, têm a mesma forma de identificar o Senhor. Seja na celebração do culto público, seja nas freqüentes e lúdicas ações da Ebd, caracterizam-se as marcas de uma contemplação tessalônica de quem não é deste mundo.
A missão ou o foco da igreja está bem pouco definido quando se olham os templos em construções megalomaníacas, que ficam fechados, ociosos, na maior parte do tempo. Nada socialmente pode acontecer, alem de festas e campanhas por mais festas e convescotes da igreja.
A igreja de Cristo maravilhosamente poderia diminuir a acessibilidade ao Reino de Deus e a sua Justiça, onde certamente mais nada seria acrescentado. O rumo natural da igreja de Atos 1.8 seria reconhecido nos crentes, e o poder de Deus acrescentaria a cada dia os que haveriam de ser salvos!
Vejamos o que os ensaios de Carlos René Padilla nos apresentam sobre a missão da Igreja:
"Cada tentativa de definir a relação entre o Reino de Deus e a igreja, por um lado, e entre o Reino de Deus e o mundo, por outro, será necessariamente incompleta. Falar do Reino de Deus é falar do propósito redentor de Deus para toda a criação e da vocação histórica que a igreja tem com respeito a este propósito aqui e agora, entre os tempos.
É também falar de uma realidade escatológica que constitui simultaneamente o ponto de partida e a meta da igreja. A missão da igreja, conseqüentemente, só pode ser entendida à luz do Reino de Deus... e ainda: A igreja não é o Reino de Deus, mas o resultado concreto do Reino. Ela leva as marcas de sua existência histórica, do ainda não que caracteriza o tempo presente. Mas aqui e agora ela participa do já do Reino que Jesus iniciou."
Acrescenta-se aqui o pensamento de que "a comunidade que começar a experimentar a realidade do Reino pode prover a hermenêutica da mensagem (...) Sem a hermenêutica desta comunidade vivente, a mensagem do Reino somente pode se converter numa ideologia e num programa: não será o evangelho!" (Leslie Newbigin)
Já não pode ser fácil a leitura de Tiago sobre a fé sem obras, nem tão farisaico o amor dos cristãos e sua responsabilidade social.
Ora se Cristo nos libertou, sejamos realmente livres!
Passemos do discurso à prática, do utópico e filantrópico para real transformação de vidas. Não sejamos criativos apenas nos cultos especiais e nas cantatas de natal, mas sejamos participativos e constantes filhos do Deus Altíssimo.
O tempo já chegou e agora é em que os verdadeiros adoradores o adorarão por completo, sem olhos para o próprio umbigo, mas perseguidores do chamado que nos foi fecundado por Cristo na cruz do calvário.
Não se trata, portanto, de questionar os rumos da comunidade eclesiástica, mas de rever os primeiros passos da nossa história. Os primeiros passos do primeiro amor, que nos revelou o Messias e certamente vai fazê-lo outra vez na nossa jornada a caminho do céu.
Os olhares dos médicos e trabalhadores dos nosocômios públicos, têm a sensibilidade de resistir a dor das pessoas, que demasiadamente carentes de saúde procuram os seus serviços em prantos que nos revoltam pelos corredores.
- Seremos vitimados pelo mesmo artifício que se fundamenta na dor do Super Man, quando ouve o clamor dos aflitos com sua audição privilegiada?
Vamos pensar bem, quando dizemos que Jesus veio para salvar alguns e aceitamos com elegância aqueles que não são alcançados pela graça em função da nossa desgraça pessoal de não oferecermos nada, além da salvação da alma...
- Qual será nossa hermenêutica diante do problema que surge à nossa porta todos os dias? Iluminados, reflete-se em nós a chance dada ao irmão mais velho de Abel: “(...) Se você fizer o bem, não será aceito? Mas se não o fizer, saiba que o pecado o ameaça à porta; ele deseja conquistá-lo, mas você deve dominá-lo”.
Judas, o autor intenso de um pequeno livro, num outro extremo da mesma revelação, escreve que existe entre nós quem se preocupe apenas com a sua própria vida e são estes:
“(...) 11 Ai deles! Pois seguiram o caminho de Caim, buscando o lucro caíram no erro de Balaão, e foram destruídos na rebelião de Corá.
12 Esses homens são rochas submersas nas festas de fraternidade que vocês fazem, comendo com vocês de maneira desonrosa. São pastores que só cuidam de si mesmos. São nuvens sem água, impelidas pelo vento; árvores de outono, sem frutos, duas vezes mortas, arrancadas pela raiz.
13 São ondas bravias do mar, espumando seus próprios atos vergonhosos; estrelas errantes, para as quais estão reservadas para sempre as mais densas trevas.
14 Enoque, o sétimo a partir de Adão, profetizou acerca deles: “Vejam, o Senhor vem com milhares de milhares de seus santos,
15 para julgar a todos e convencer todos os ímpios a respeito de todos os atos de impiedade que eles cometeram impiamente e acerca de todas as palavras insolentes que os pecadores ímpios falaram contra ele”.
16 Essas pessoas vivem se queixando, descontentes com a sua sorte, e seguem os seus próprios desejos impuros; são cheias de si e adulam os outros por interesse”.
A amostragem colhida no texto bíblico parece ter uma luz sobre as nossas igrejas de reuniões presenciais dominicais ou on-line, não sendo esta uma tendência de torná-la arquétipo para se mostrar sapiência ou espiritualidade, mas hoje é preciso denunciar a mortandade que assola ao meio dia...
Sejamos, portanto, firmes e consolidados pela Palavra de Deus e não meninos inconstantes e dirigidos por mais um modelo de espiritual que se revela na tv, hoje digital! A obediência a Deus traz sobre nós a benção da rendição salvífica, mas a desobediência o infortúnio da maldição que sobrevém às crianças do mundo atual.
Lembrem das crianças...
Para os tenros filhos e também às pequenas mamães que virão, canta-se um velho hino do Cantor Cristão:

"Vinde meninos...
Vinde a Jesus!
Ele ganhou-vos bênçãos na cruz;
Os pequeninos Ele conduz...
Oh vinde ao Salvador!"


Amém.

Eduardo Neri

domingo, 3 de fevereiro de 2008

Taparosol do Sul

Certamente que o sentimento de culpa nos leva a reflexões sem luz. A desculpa mais rápida, a fadiga dos pensamentos carcomidos de êxtase pós-moderno, as vinhetas que nos assustam os sentidos... São sintomas de uma sociedade néscia e arbitrária. No exemplo triste da maior menoridade discutida, vemos a vaidade de um povo escravo!
Se violentamos nossas preces e já decidimos quem serão os desgraçados de Deus; se com veemência clamamos por justiça...
Então que lancemos mão aos estandartes pietistas e proclamemos em alto e bom som: - Crucifica-os!
- Não discutiremos o todo, no processo?
- Educação, saúde, direitos institucionais... família?
Vamos celebrar nossa miséria, nossa ciência e incompreensão e dignificar tudo o que é sórdido, tosco e vil. E querendo o bem do próximo, façamos coro a corrupção dos poderes e prossigamos cúmplices, sacrificando nos altos a fina flor da vaidade religare.
- Quantos adolescentes ainda terão seus corpos tenros, vendidos desnudos num CEASA e nos paredões da Sul?
Não lembremos, por favor, da mortandade que assola o meio das instituições prisionais de menores... A revolta é frágil e doce, mas o amor resiste e sofre a dor.
- Quem terá pedras para julgar o proposto no Estatuto da Criança e do Adolescente?
Lei ora lei...
Contentem-se os homens na sua perversidade e prendam os meninos e meninas. Castrem-nos como cães de raça indócil, pois certamente comerão das migalhas da nossa gente destemida que preenchem os templos em fins de semana.Construam mais lugares megalomaníacos e tratem do assunto com a versatilidade alegórica de sempre. Vivam em perfeita indolência e que morram os pacificadores, pois deles não é o reino dos homens!


Esqueçam de quem agora troca o corpo por comida em Taparosol do Sul.
Por favor esqueçam de Taparosol!
Taparosol ...
- O que se pode concluir dessa provocação melancólica em dias de pouca luz?
Só me rendo à reflexão de 20 anos antes deste setembro, que dizia:
(...) “de que calada maneira, você chega assim sorrindo... como se fosse a primavera... e eu morrendo?”
(Pablo Milanez.)

Eduardo Neri